terça-feira, julho 15, 2008

Na morte de Teta Lando

A notícia começou a circular quase uma semana antes do facto ocorrer, desconheço por que razões e com que origem. Felizmente, era falsa. Hoje, a notícia é infelizmente verdadeira: Teta Lando, músico angolano dos mais respeitados do seu país, morreu ontem à tarde num hospital de Paris, onde estava a ser tratado a um cancro.

Presidente desde 2006 da União Nacional dos Artistas e Compositores de Angola, Teta Lando tem uma carreira de vulto na música angolana desde a década de 1960. Além dos seus trabalhos a solo, participou em discos de colegas seus que se encontravam em Portugal na época, como foram os casos da já desaparecida Lilly Tchiumba, de Vum Vum ou de Conchinha de Mascarenhas.

Recordando os primeiros passos do músico, trago aqui o EP Muzangola (1969), de Vum Vum, onde a faixa-título - uma das duas em que Teta Lando entra com a sua guitarra, além de a co-assinar com Vum Vum - é um autêntico manifesto de funk angolano como poucos. Há uns anos, a francesa Ariel de Bigault redescobriu-a e incluiu-a na série de discos "Angola", no volume "Angola 60's - 1956-1970", onde surge, também, o próprio Teta Lando, a solo.

1969 Decca / Valentim de Carvalho
PEP 1297

1. Muzangola
(Vum Vum - Alberto Teta Lando)
2. Monami
(Euclides Fontes Pereira)
3. Xé-Xé-Xé Kangrima
(Cyrus da Mata - Vum Vum)
4. Porquê Viver Sem Você
(Vum Vum)

Vum Vum (voz)
Alberto Teta Lando (guitarra nas faixas 1 e 3)
Fernando Pinto (guitarra eléctrica solo)
Luís Duarte (guitarra baixo)
Jaime Loureiro (órgão)
José Pinto (bateria)

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segunda-feira, dezembro 24, 2007

Operários do Natal - Ainda uma Lembrança, 31 Anos Depois

Em tempo de Natal, uma recordação com trinta e um anos: o LP "Operários do Natal", de 1976. Editado pela Toma Lá Disco, este disco pode ser visto como um "Só Nós Três" destinado às crianças, já que contava com as vozes de Carlos Mendes, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho - autores também de todas as músicas, cabendo os textos à dupla José Carlos Ary dos Santos e Joaquim Pessoa. Pretendendo mostrar as várias profissões ligadas ao Natal, o disco abre e fecha com dois temas antológicos, "Os Pais" e "Os Amigos". Sem se tratar de profissões propriamente ditas, são a base de tudo, e entre elas desfilam os carteiros, os palhaços, os vendedores, o lenhador (nada politicamente correcto), a costureira (hoje já não tanto...) e o pasteleiro. Apesar de pontualmente marcado pela época pós-25 de Abril, raras vezes o público infantil foi tratado com tanta dignidade e enlevo como neste disco.
Entre os restantes músicos e convidados, surgem os nomes de Júlio César, Ana Bola, Zé da Ponte, Fernando Fallé e José Luís Simões. Este último, ex-integrantre do Thilo's Combo, é autor dos arranjos de quatro dos temas, ficando os dos outros quatro nas mãos experientes de Joaquim Luiz Gomes - uma das figuras vivas mais importantes da história da música portuguesa no século XX.
Infelizmente, este disco continua esquecido na memória do vinil, pelo que com a recente vaga de interesse na música portuguesa de antanho não seria de todo descabido pensar-se na sua reedição! Até lá, um bom Natal, com boa música, para todos!

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domingo, novembro 11, 2007

"Mestre" em CD ou Portugal Mais Perto de Nós

Após uma longa pausa neste blog, achei que não devia deixar passar em branco o regresso aos escaparates de Mestre, o primeiro álbum dos Petrus Castrus, pela mão da Companhia Nacional de Música. Com o som brilhantemente remasterizado por José Fortes e com textos interiores de José Castro, Pedro Castro, Nuno Rodrigues, Tito Lívio e também deste vosso escriba, este é um momento de celebração.
Retrato de uma época em termos musicais e literários, Mestre constituiu um marco em vários âmbitos. Se por um lado marca a primeira união de monta entre o rock e a literatura portuguesa, por outro beneficiou das condições técnicas de gravação que os estúdios franceses do malogrado compositor Michel Magne situados no Castelo de Hérouville proporcionavam. A Sassetti, casa editora que então acolhia José Mário Branco, Sérgio Godinho e José Jorge Letria, além dos Xarhanga - grupo liderado por Júlio Pereira, que formaria após a sua saída dos Petrus Castrus - apostava então numa verdadeira alternativa à hegemonia da firma Arnaldo Trindade, do Porto, que acolhia o "grosso" dos intérpretes que questionavam o regime. No âmbito do rock, no entanto, distinguia-se de forma bem clara o trabalho do Quarteto 1111, que já desde finais da década de 1960 vinha vendo a sua obra cerceada pela Censura. O surgimento dos Petrus Castrus em 1971 e a edição dos seus dois primeiros EP's - cuja reedição está prevista para 2008 - marca o surgimento em Portugal do rock progressivo. Ainda que numa fase inicial se notasse a transição entre o psicadelismo de finais da década de 1960 e as sonoridades mais caras a esta corrente, Marasmo e Tudo Isto, Tudo Mais são, com todo o direito, os primeiros pilares do rock progressivo português. Mestre, por seu lado, desenvolve estas ideias de forma igualmente brilhante, constituindo-se como um trabalho que hoje, trinta e cinco anos depois da sua gravação, merece ser redescoberto. Aventuremo-nos!

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sábado, junho 16, 2007

Filarmónica Fraude ao Vivo?

Felizmente, não se trata de uma fraude. A Filarmónica Fraude - sob a designação Nova Filarmónica, e agrupando também membros do Coro Canto Firme, de Tomar, e o baixista José Ricardo - vai dar hoje um concerto nos Lagares d'el Rei, na mítica cidade dos Templários. É, sem dúvida, um momento histórico, em que vão estar presentes António Luís Linhares de Sousa (teclas), Júlio Patrocínio (bateria) e António Antunes da Silva (voz, guitarra), todos da formação original. José Ricardo (guitarra baixo), que fez parte dos Pedra e Cal, projecto por onde passou Linhares de Sousa em meados da década de 1970, é um dos instigadores desta reunião e vai integrar a formação que se apresentará ao vivo hoje. A expectativa é grande, até porque Linhares de Sousa (mais conhecido actualmente como António de Sousa) não esconde o seu entusiasmo em relação a possíveis novas composições. Para já, para já, todos os caminhos vão dar a Tomar. Vemo-nos por lá!

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quarta-feira, abril 25, 2007

Na Morte de João Paulo Agrela

A notícia era esperada, mas nunca nos conformamos quando ela chega de facto: João Paulo Agrela, teclista e compositor do Conjunto João Paulo, morreu esta Segunda-Feira. Nascido em 1942, no Funchal, foi graças ao grupo que tinha o seu nome que se tornou conhecido em todo o país nas décadas de 1960 e 1970. Ao longo de uma carreira invulgarmente longa para o Portugal de então - formado em 1962, o Conjunto João Paulo só terminaria em 1979 - vários foram os temas de sucesso na sua discografia. Desde "Hully Gully do Montanhês" até "Milena (a da Praia)" passando por "Sue-Lin a Minha Chinesa" ou "Nunca Direi Adeus" (que ficaria em 2º lugar no Festival da Canção de 1966), para não falar das inúmeras versões das canções francesas, italianas e anglo-americanas que nos fizeram acreditar que Londres ou a Califórnia estavam mais próximos, a obra do Conjunto João Paulo é um riquíssimo manancial artístico-cultural que urge redescobrir. Acompanhando as tendências musicais de então, o grupo aventurou-se sem preconceitos no rock psicadélico e produziu alguns dos temas mais belos da época, na recta final da década de 1960 e até 1972 (na sequência de um hiato de mais de um ano, devido ao cumprimento do serviço militar). Com efeito, as composições editadas entre 1970 e 1972, fase em que aos membros fundadores Sérgio Borges (voz), Carlos Alberto Gomes (guitarra), Ângelo Moura (baixo) e João Paulo Agrela (teclas) se juntaram José Manuel Fonseca (sopros) e Adrien Ransy (bateria), ambos provenientes do Quinteto Académico + 2, mostram que o grupo se manteve durante vários anos no pico da criatividade. Exemplos disso mesmo são "O Salto" (escrita por João Paulo, Sérgio Borges e Carlos Alberto Gomes) e "Serei um Dia o Mar" (um poema de Gualdino Rodrigues para música de João Paulo), dois temas deste músico que bem merecia ser mais conhecido hoje em dia, e que a morte levou cedo demais. Lá nos encontraremos, no "Paul da Serra".

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segunda-feira, janeiro 08, 2007

"O Cerco" reeditado em DVD

Saiu recentemente em DVD o filme "O Cerco", de António da Cunha Telles, o que é algo de histórico no nosso país e, portanto, digno de realce. Como já tinha chamado aqui a atenção num outro post, a grande maioria do cinema português encontra-se "encerrada" nos cofres da memória (ou do ANIM, o que sempre é um pouco melhor...), e então quando chegamos ao chamado "cinema novo" o panorama é mesmo desanimador. Mas pelas mãos da produtora Animatógrafo 2, da filha de António da Cunha Telles, e da Costa do Castelo, temos finalmente no mercado "O Cerco". Filme premiado na altura, e com um enredo desafiador do status quo da moral burguesa e conservadora, não pode também deixar de merecer destaque a banda sonora. Se, por um lado, há a música de António Victorino d'Almeida, com um tema recorrente em que surge o saxofone solo de Vítor Santos (ex-Thilo's Combo), por outro há as canções originais do Quarteto 1111, que surgem nas cenas de discoteca e que tão interessantes as tornam. É curioso notar a escolha da língua francesa, já que em disco nunca o grupo de José Cid gravou nessa língua, tendo apenas escrito "La Mansarde" e "Emporte-Moi Loin d'Ici" para Tonicha, em 1968. A excelência das composições do grupo (nem outra coisa seria de esperar) faz mais uma vez pensar: para quando a edição da integral da obra do Quarteto 1111?

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quarta-feira, outubro 25, 2006

De Novo com...


Para marcar o "regresso" deste blog, achei por bem trazer aqui um pedaço do legado do Conjunto João Paulo. "De Novo com João Paulo e o Seu Conjunto Académico" é o título do 2º EP do grupo, publicado em 1965, e acompanhava o sucesso crescente do então sexteto madeirense. Donos de uma carreira sempre em evolução e crescimento musical, que soube adaptar-se às correntes de então com um talento ímpar, mostram-nos aqui três versões e um excelente original, "Chove". Este último, o primeiro tema próprio da sua carreira, é uma prova cabal das excelentes potencialidades vocais de Sérgio Borges, com momentos mais agressivos e outros mais melancólicos a alternarem-se de forma perfeita.

1965

Columbia
SLEM 2206
1. It's Over
(Roy Orbison - Dees)
2. Chove
(Sérgio Borges - Carlos Alberto)
3. Se Mi Vuoi Lasciare
(Leva - Giampiero Reverberi)
4. Greenback Dollar
(Hoyt Axton - Ramsey)
Capa:

De cima para baixo, no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio: Rui Brasão, João Paulo, Carlos Alberto, José Gualberto, Ângelo Moura e Sérgio Borges.

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quarta-feira, maio 31, 2006

José Gomes Ferreira e a Música Portuguesa

Ouvi há dias algumas músicas do século XVIII português gravadas pela Fundação Gulbenkian e fiquei atónito com tanta beleza, até hoje secreta, guardada a sete chaves em arquivos de traças. Estranho país este!, de parvos, de imbecis, de analfabetos, de fanáticos, de pitosgas, de torquemadas covardes... mas em que existiram sempre, através dos séculos, meia dúzia de artistas de eleição a fazerem versos, a pintarem, a escreverem música (sim, até música!) para ninguém! Ouviram? PARA NINGUÉM!

Lisboa, 12 de Abril de 1967
in Dias Comuns II, "A Idade do Malogro"


O escritor José Gomes Ferreira (1900 - 1985) foi, na sua juventude e primeira idade adulta, um compositor de talento. Algumas das peças que compôs nas décadas de 1910 e 1920 foram, aliás, dadas a conhecer ao público de hoje em dia através de apresentações públicas nas cidades do Porto e de Lisboa por ocasião das comemorações do centenário do seu nascimento. Assim, é curioso registar este curto mas contundente testemunho. Que sirva para a reflexão tão necessária sobre o projecto cultural que pretendemos para Portugal! Só com uma mudança a nível cultural e de atitudes poderemos almejar progressos efectivos e eficazes a outros níveis. Poeta militante, hoje e sempre, estás entre nós!

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terça-feira, maio 09, 2006

Psicadelismo Magrebino

Em 1968, é publicado o primeiro single do Quarteto 1111, depois de uma carreira iniciada no ano anterior com o histórico EP A Lenda de El-Rei D. Sebastião. A este disco, tinham-se seguido outros dois de igual formato e, tal como o primeiro, fervilhantes de criatividade e originalidade nas propostas musicais que apresentavam. O rock psicadélico que abraçava todo o mundo parecia, assim, estender-se plenamente a Portugal. Não que o Quarteto 1111 fosse caso único - outros exemplos havia nesses anos de 1967 e 1968, como a Banda 4, os Chinchilas, o Conjunto Hi-Fi, o Conjunto João Paulo, os Ekos, o Grupo 5, os Jets, o Quinteto Académico, os Sheiks, os Tubarões ou os cantores Daniel e Nuno Filipe, citando só os mais importantes - mas representava, sem sombra de dúvida, a consciencialização mais encorpada desta tendência musical no nosso país. Posteriormente, surgiriam outros grupos de semelhante valia, mas em 1968 só o Quarteto 1111 poderia arriscar "lançar às feras" uma composição como Ababilah. Lado B de Meu Irmão - uma canção de contornos mais "canónicos" e alvo, aliás, de versões por parte de José Cheta (em 1972) e dos Irmãos Catita (em 2002) - este tema é uma viagem àcida às terras do norte de África, oferecendo uma panóplia de sons distintos e estranhos à música ocidental. Instrumentos exóticos, processos que em tudo se assemelham - à nossa modesta escala - aos utilizados por George Martin e pelos Beatles em Tomorrow Never Knows (1966), vozes imperceptíveis, experimentação jazzística - tudo isto se conjuga para a criação de uma obra musical fora de série. Infelizmente, Ababilah tem andado arredado de todas as edições em CD da obra do Quarteto 1111 - aguardemos, pois o futuro poderá reservar-nos ainda surpresas, já que para o ano se comemoram os 40 anos de A Lenda de El-Rei D. Sebastião.


1968

Columbia / Valentim de Carvalho
45 ML 244

1. Meu Irmão
(José Cid)
2. Ababilah
(Quarteto 1111)

José Cid (voz, teclas)
António Moniz Pereira (guitarra)
Mário Rui Terra
(guitarra baixo)
Michel (bateria)

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terça-feira, abril 25, 2006

25 de Abril



Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo


Sophia de Mello Breyner Andresen (1919 - 2004)

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quarta-feira, abril 19, 2006

O Combo de Thilo Krasmann

Se fosse vivo, Thilo Krasmann teria feito 73 anos no passado dia 16 de Abril. Figura tutelar na criação de uma música pop em Portugal e orquestrador de mérito de grandes intérpretes da canção ligeira portuguesa, o seu nome ficou ligado na década de 1960 ao Thilo's Combo. Este conjunto era inicialmente formado por si, no contrabaixo, por José Luís Simões (guitarra eléctrica), por Enrique Peiró Jr. (piano), por Fernando Rueda (bateria) e por Vítor Santos (saxofone). Rueda, músico conhecido no meio do jazz lisboeta, rapidamente passaria a assumir também funções de vocalista, e chegaria mesmo a gravar a solo com o acompanhamento do grupo, vindo depois a formar o seu próprio conjunto, Rueda + 4.

Com as suas diversas formações, o Thilo's Combo gravou 13 discos (quase todos EP's, sendo apenas um deles single), mas são bem mais os que gravou com outros artistas. Desde Simone de Oliveira ao Duo Ouro Negro, passando por João Maria Tudella ou Paula Ribas, muitos foram, de facto, os bafejados com o toque de modernidade que o grupo representou durante grande parte da década de 1960. O seu papel seria, aliás, semelhante àquele que o Quarteto 1111 viria a assumir na viragem desta década para a de 1970 e nos primeiros anos dela, numa época em que a estética psicadélica imperava.

Infelizmente, a era digital apenas conheceu reedições pontuais de composições do Thilo's Combo, estando ainda por publicar uma antologia exaustiva que recolha a totalidade do legado deste grupo seminal da pop portuguesa de antanho. Aquando da morte de Thilo Krasmann, em 2004, essa ideia chegou a ser sugerida na imprensa, mas nada se fez ainda. Talvez em 2007, data em que se comemoram os 45 anos da formação do conjunto e simultaneamente da edição do seu primeiro disco, este projecto possa finalmente ver a luz do dia - pelo que a música portuguesa deve a Thilo Krasmann, bem que isso deveria acontecer.

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quarta-feira, março 29, 2006

Mário Viegas Total

Ontem tive uma grata notícia: através do jornal Público, vai ser dado à estampa um trabalho da autoria de José Niza que compila em 12 volumes a carreira e a vida de um dos grandes actores portugueses da segunda metade do séc. XX. Falo de Mário Viegas, que, dez anos após a sua morte, tem assim direito a uma homenagem - póstuma... - de grande valor e onde a qualidade da investigação se encontra aliada ao saber e às vivências do Homem e Músico que é José Niza. No entanto, há ainda algo mais que não deverá fazer ninguém perder esta colecção: com cada livro, surgirá um CD que recupera a discografia completa de Mário Viegas. Esta, gravada na sua quase totalidade para a etiqueta Orfeu, de Arnaldo Trindade, iniciou-se em 1969 - com o EP Mário Viegas Diz Poemas, onde o declamador é acompanhado musicalmente por Fernando Martins - e conheceu o seu derradeiro momento em 1990, com Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida Para os Mais Pequenos - um trabalho publicado pela UPAV e co-assinado pela também actriz Manuela de Freitas. Entre um e outro, ficam recriações históricas de grandes poetas portugueses, como Daniel Filipe, Mário Cesariny, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Eugénio de Andrade, Manuel Alegre, António Gedeão, Alexandre O'Neill e tantos outros; e de alguns estrangeiros, como Bertolt Brecht ou Vinicius de Moraes. É de realçar que nesta colecção se compilam, também, gravações inéditas, que por razões de ordem vária não foram publicadas no seu tempo. De fora, ficaram apenas as participações em Marginal (1981), de Luís Cília, Cantos da Borda d'Água (1984), de Pedro Barroso, Lavrar em Teu Peito (1985), de Janita Salomé, e Corsária (1988), de Né Ladeiras - que, a meu ver, deveriam ter sido incluídas nesta integral - além de participações menos significativas em discos de Júlio Pereira e de Shila.

Impossível perder. Impossível passar ao lado. Mário Viegas continua vivo na sua arte de diseur e esta homenagem de José Niza e do jornal Público vem provar a todos isso mesmo.

Rifão Quotidiano

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece

Mário-Henrique Leiria in "Novos Contos do Gin", Lisboa, Editorial Estampa, 1973

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sexta-feira, março 17, 2006

A primeira vida de Carlos Alberto Vidal

Conhecido da generalidade do público através da personagem de Avô Cantigas - que comemorá 25 anos em 2007 - o cantor, actor e músico Carlos Alberto Vidal tem uma carreira cujo ponto de partida discográfico foi o já longínquo ano de 1973. Com efeito, a sua estreia ocorreu com o single As Filhas da Tia Anica, uma composição cuja letra de contestação social é magnificamente servida por arranjos inspirados de José Calvário, publicado pela Imavox. No ano seguinte, chegava Bom Dia, Senhor Alberto!, que seguia a linha temática da sua antecessora. Ambos os discos apresentavam no lado B baladas com aproximações a um universo rock. Seria, no entanto, em 1976 que Carlos Alberto Vidal teria oportunidade de mostrar de forma cabal os seus talentos - e que talentos! Changri-Lá é um dos trabalhos mais válidos e meritórios de toda a história do rock português, publicado ainda sob a alçada do contrato com a Imavox. Abrindo com a canção-título, onde a voz de Vidal nos mostra a raiva e a doçura em momentos distintos, merecem destaque as prestações de Necas (bateria), Nuno Pimentel (teclas) e Fernando Correia Martins (guitarras). O disco segue com Venho por Cristo Dizer - que confirma lírica e musicalmente a temática mística de todo o álbum e onde encontramos os sopros de Rui Cardoso - e, entre outras, com Emanuel - com um toque africano no final, sendo a voz novamente um elemento de grande equilíbrio musical - e O Meu Nome Somos Nós (Maharaj-Ji) - apenas e tão só uma das mais belas canções rock feitas em Portugal, com um refrão de antologia. No lado B do LP podemos ainda encontrar Luísa Vai para a Escola, toda ela delicadeza e com uns toques honky-tonk a lembrar o jardim de infância que escutamos ao longe, e Nascer, um tema ao piano da autoria de Nuno Pimentel e que constitui o brilhante final para este trabalho.


Publicado um ano antes da estreia em longa-duração dos Tantra, Changri-Lá é um pequeno pedaço da história desse gigante desconhecido que é o rock português pré-1980. Embora musicalmente se aproxime bastante das fórmulas do rock progressivo de então - sendo, aliás, dos trabalhos mais sólidos feitos em Portugal nessa área - apenas encontramos alguns ecos do mesmo nas incursões igualmente místicas do grupo de Manuel Cardoso e António José de Almeida. Ninguém mais, no Portugal de então, conseguia romper a difícil barreira das editoras discográficas e apresentar trabalhos desta envergadura. Não podemos esquecer, aliás, que durante os anos de 1977 e 1978 o grupo Perspectiva, de Tó Pinheiro da Silva, lutava pela edição de A Quinta Parte do Mundo, um trabalho de que, como disse António A. Duarte no seu seminal ensaio A Arte Eléctrica de Ser Português - 25 Anos de Rock 'n Portugal, todos nos orgulharíamos hoje em dia conquanto dele nos recordássemos... Mas, face a essa impossibilidade, oiçam Changri-Lá e deleitem-se com os mistérios e maravilhas que este disco tem para oferecer.

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domingo, março 12, 2006

Cantando Pessoas Vivas

Em finais de 1974 foi publicado o último LP gravado pelo Quarteto 1111, Onde, Quando, Como, Porquê, Cantamos Pessoas Vivas - Obra-Ensaio de José Cid, preenchido por uma composição única que ocupava os dois lados do vinil. Musicalmente, o grupo nunca tinha soado tão próximo do rock progressivo de uns King Crimson ou das tendências mais folk de uns Renaissance, com José Cid e os seus companheiros a construirem harmonias ora mais violentas ora mais doces. Se já em trabalhos anteriores o Quarteto 1111 comprovara que a sua escrita e competência musical podia abarcar sem problemas estes extremos, é preciso talento de sobra para construir uma obra de trinta minutos em que não é dada qualquer trégua aos instrumentos (nem ao ouvinte, refira-se). Para isso contribui inegavelmente a qualidade dos textos poéticos musicados, na sua maioria de José Cid. No entanto, um deles é uma adaptação de um poema de José Jorge Letria publicado no início desse mesmo ano de 1974 em A Arte de Armar.

O que aqui proponho, pois, é um simples exercício de comparação entre os dois textos. Apesar de as diferenças não serem em quantidade, não deixam de ser curiosas.


É Por Aqui Que Se Começa......................................Cantamos Pessoas Vivas

É por aqui que se começa:.........................................É por aqui que se começa
Pelas palavras simples................................................ Pelas palavras simples
Pelas pessoas vivas.......................................................Recusando a amargura
Recusando a amargura................................................ Nas margens do poema
Nas margens do poema................................................Pelas pessoas vivas

É por aqui que se com
eça...........................................É aqui que se começa
Pela ânsia de respirar
..................................................Pela fúria de começar
Com a voz em liberdade
.............................................Com a voz em liberdade
Sem estilhaços no olhar
..............................................Sem muralhas no olhar
.........................................................................................Cantando pessoas vivas

É por aqui que se começa
...........................................É por aqui que se começa
Pela fúria de começar
..................................................Pela fúria de começar
Usando palavras simples
..............................................Usando palavras simples
Cantando pessoas vivas
...............................................Cantando pessoas vivas
Mãos fechadas rente ao mar
......................................Ensinando-as a pensar

E depois de começar
....................................................E depois de começar
Embarcamos na canção
................................................Embarcamos na canção
Sem pompas nem grandezas
......................................Sem pompas nem grandezas
recusando a salvação
...................................................Com o povo no coração

Para isso serve a canção
.............................................P'ra isso serve a canção
Navalha de corpo inteiro
...........................................Navalha de corpo inteiro
Para dar o golpe certeiro
..........................................P'ra dar o golpe certeiro
Em quem lhe nega a razão
........................................Em quem lhes nega a razão

Acabar também é simples;
....................................... Acabar também é simples
Mais simples que começar:
.......................................Mais simples do que começar
Desenhamos um país
..................................................Desenhamos um país
Com o máximo rigor
..................................................Com o máximo rigor
Sem pessoas nem fronteiras
.....................................Sem pessoas nem fronteiras
E pomos-lhe no centro
..............................................E pomos-lhe lá dentro
As palavras derradeiras
.............................................Palavras certeiras
Para isso serve a canção
............................................Cantando pessoas vivas
Para vencer a confusão.............................................É por aqui que se termina
......................................................................................Pelas palavras simples
......................................................................................P'ra isso serve a canção
......................................................................................Defininindo a situação
......................................................................................Cantando pessoas vivas

[versão publicada em livro]...............................................[versão gravada em disco]

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sábado, março 11, 2006

Simone - Os Primeiros Passos (3)

Após ter perdido a voz, em 1969, Simone de Oliveira passa a trabalhar na rádio e só em 1972 volta ao mundo da canção. Curiosamente, fê-lo pela mão de José Cid e do Quarteto 1111, confirmando a sua vontade de mudança de repertório.

Em Novembro de 1972, data da publicação deste disco, o Quarteto 1111 era constituído por José Cid, António Moniz Pereira, Tozé Brito e Michel, e encontrava-se sem novos lançamentos no mercado desde o Verão do ano anterior. Esse compasso de espera terminou com Sabor a Povo, um single que quer no tema-título quer em Uma Nova Maneira de Encarar o Mundo anunciava já o som dos Green Windows. No entanto, as colaborações com outros artistas abundavam, como é o caso do disco de Simone que dá o mote a este texto, e nos mesmos dias em que é lançado o EP Glória, Glória Aleluia, são também editados trabalhos onde José Cid intervém ao nível da direcção musical - um EP de Vittorio Santos - e da composição - curiosamente, um single com a versão de Tonicha para Glória, Glória, Aleluia, que a cantora levou ao Festival Ibero-Americano de Madrid.

O disco de regresso de Simone conta assim com duas canções já divulgadas anteriormente - o tema-título e Retrospectiva, uma melancólica balada que fora editada no EP Camarada, de José Cid, nesse mesmo ano de 1972 - e com uma original, Hino do Amor. Não sendo um trabalho ousado a nível de arranjos musicais - nem tal se pretenderia, aliás - estamos perante um sólido conjunto de canções a que Simone de Oliveira oferece a sua voz agora quente e densa e em que chegamos a ter momentos de rock bem interessantes - precisamente em Hino do Amor, em que o grupo não deixa os seus talentos por mãos alheias.

1972
Decca / Valentim de Carvalho
PEP 1422

1. Glória, Glória Aleluia
(José Cid)
2. Hino do Amor
(José Cid)
3. Retrospectiva
(José Cid)

Simone de Oliveira (voz)
Quarteto 1111 (acompanhamento)

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sexta-feira, março 10, 2006

Memórias do Festival RTP da Canção (1)

Apesar de não haver paralelismo possível entre a importância e a repercussão pública do Festival da Canção dos dias de hoje e os realizados nas décadas de 1960, 1970 e 1980, não é novidade que a canção vencedora origine controvérsia e se reúna um número saudável de vozes que protestam contra a escolha. Na edição deste ano, que terminou há minutos, ficaram para trás concorrentes que poderiam chamar a atenção no Festival da Eurovisão, a realizar em Maio, pelo colorido, alegria e qualidade das canções - casos de Bem Mais Além, pelos Mariafolia (com letra de António Pinho, ainda ontem aqui representado com um texto da saudosa Banda do Casaco), e de Sei Quem Sou (Portugal), por Vânia Oliveira. A pateada à anódina canção vencedora trouxe-me à memória a declaração que Cândido Mota proferiu aos microfones do Rádio Clube Português a 6 de Março de 1968, após a vitória de Carlos Mendes, com Verão, no 5º Festival RTP da Canção:

"(...) apurou-se como representante do nosso País para um festival in
ternacional uma canção que, de portuguesa, só tem o revestimento. Reflecte ela a procura desmesurada e cega de um som que se usa, que se consome. Aproveitou-se uma cadência rítmica que nos é estranha. (...) Uma acentuação melódica dos safanões para lhe dar um tom de pseudomodernidade (...), depois o intérprete encarregou-se de utilizar todos os tiques que constituem a débil encenação que se pretendeu montar."

Cândido Mota terminaria a sua alocução frisando as qualidades de Balada para D. Inês, o tema que José Cid levou à edição de 1968 do certame e com que arrecadaria a 3ª posição (ultrapassado apenas por Tonicha). Publicada no segundo EP do Quarteto 1111, esta canção - como A Lenda de El-Rei D. Sebastião, de inspiração histórica - era servida por excelentes arranjos orquestrais de Joaquim Luiz Gomes (figura incontornável da música ligeira portuguesa e autor de algumas obras menos divulgadas no ca
mpo da música erudita, hoje com 90 anos de idade) e era precisamente a canção de abertura do disco. Nas outras três composições apresentadas, confirmava-se a filiação psicadélica do grupo, bem patente em Partindo-se (sobre texto de João Roiz de Castelo Branco, compilado no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende) ou na singeleza folk de Vale da Ilusão (um tema baseado em textos Bíblicos). Dragão, regravado em 1971 no primeiro LP a solo de José Cid, continha já os gérmenes das letras vincadamente contestárias que o grupo apresentaria ao longo de toda a sua carreira. Das canções aqui presentes, apenas Vale da Ilusão não conheceu ainda reedição em formato digital.

Finalizando, desejo, obviamente, os maiores sucessos para Coisas de Nada, pelas Nonstop, no Festival da Eurovisão 2006, em Atenas. Seria bom que a opinião do público português e a dos presentes na sala se visse contrariada pela do júri europeu! Mas, depois de Lúcia Moniz e do seu sexto lugar em 1996, em Oslo, não me parece que o futuro nos traga surpresas positivas a esse nível...

1968
Columbia / Valentim de Carvalho
SLEM 2304

1. Balada Para D. Inês
(José Cid)
2. Partindo-se
(João Roiz de Castelo Branco / José Cid)
3. Vale da Ilusão
(Jorge Moniz Pereira)
4. Dragão
(Jorge Moniz Pereira)

José Cid (voz, teclas), António Moniz Pereira (guitarra), Jorge Moniz Pereira (guitarra baixo), Michel (bateria)
Joaquim Luiz Gomes (direcção de orquestra)


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quinta-feira, março 09, 2006

País: Portugal

Por aqui andam diabinhos à solta
Com corninhos e rabinhos e falinhas de paraíso
Por aqui andam bruxinhas em volta
Esvoaçando cavalgando em vassourinhas sem juízo

Portugal, nove milhões de humanos
País de florestas e de rios
De montanhas e de praias
De adufes fraitas e tambores
País de províncias, distritos e concelhos
De freguesias de cidades vilas e aldeias

Portugal de capital Lisboa
É pena capital pena seres apenas
A cabeçorra gigantesca e mal pensante
Que nasce entre as pernas do Tejo
É pena capital pena que em ti
Se escrevam os livros da incultura
Que em ti se diga a liberdade
Em bocas libertinas

Portugal
País fardado à força
País forçado à farda
País fadado à forca

Portugal, nove milhões de humanos
País de florestas e de rios
De montanhas e de praias
De adufes fraitas e tambores
País de províncias, distritos e concelhos
De freguesias de cidades vilas e aldeias

(texto de António Pinho para uma composição musical de Nuno Rodrigues)


Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos. Por isso, hoje aqui fica a letra de uma das muitas excelentes canções que a Banda do Casaco nos legou, sem mais perlengas. Infelizmente, pertence a um dos seus dois trabalhos de longa-duração que nunca viu reedição em CD - o outro é Contos da Barbearia, de 1978. A ficha técnica desta música é a seguinte:

Miguel Coelho (violino)
Celso de Carvalho (stylofone, palmas)
Carlos Barreto (baixo eléctrico)
Tó Pinheiro da Silva (guitarra eléctrica, flauta)
Nuno Rodrigues (voz, guitarra acústica, palmas)
António Pinho (palmas)
Gabriela Schaaf (voz, palmas)
Rão Kyao (saxofone tenor, palmas)
Necas (bateria)

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quarta-feira, março 08, 2006

O Percurso Singular de António de Macedo (1)

Seria interessante aproveitar os 75 anos de António de Macedo (que o realizador cumprirá em Julho próximo) para proceder a uma iniciativa de monta e digna do cinema português: disponibilizar a integral da obra deste cineasta, detentor de um dos percursos mais idiossincráticos de toda a história da Sétima Arte nacional. Desde A Primeira Mensagem (1961) até Chá Forte com Limão (1993) muito há, decerto, por descobrir nos seus filmes, e muito público haverá interessado em neles se descobrir. António de Macedo teve sucessos de bilheteira - recorde-se A Promessa (1972) ou o abaixo referido Os Abismos da Meia-Noite (1983) - e muitas vezes foi malvisto por isso mesmo. Igual argumento emprega, aliás, António-Pedro Vasconcelos para criticar a falta de oportunidades que teve na sua carreira pós-O Lugar do Morto (1984). No entanto, o rigor que António de Macedo sempre manifestou no tratamento estético dos seus filmes e a riqueza e diversidade dos mesmos fazem com que seja quase um acto criminoso - e Jorge Leitão Ramos já o referiu em crónica no Expresso - que a totalidade da sua obra se encontre arredada de edição comercial em DVD.

Os Abismos da Meia-Noite (1983) estreou-se em Portugal a 27 de Janeiro de 1984, contando com prestações dos actores Helena Isabel, Rui Mendes, Eugénia Bettencourt, Márcia Breia, Virgílio Castelo, Manuel Cavaco e António Assunção, entre outros. Com fotografia de Elso Roque e música original de António de Sousa Dias (editada, aliás, em disco pela Fotossonoro nesse ano de 1984), o filme, que abordava temáticas ligadas à mitologia popular, chegou ainda a ser editado em formato VHS pela empresa Imaginação. Neste momento encontra-se indisponível no mercado.

Sinopse:

Irene, agente duma companhia de seguros, é encarregada de investigar o desaparecimento de um velho bibliotecário, numa cidade cidade de província. No decurso das suas averiguações, trava conhecimento com Ricardo, professor de História, que conhecia a vítima e se interessa pelas tradições lendárias da região. Assim, Irene toma conhecimento de um antiquíssimo castelo medieval - cuja entrada secreta se abre, misteriosamente, na noite de Natal, durante as doze badaladas da meia-noite.

(fonte: http://www.amordeperdicao.pt)

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