quarta-feira, março 29, 2006

Mário Viegas Total

Ontem tive uma grata notícia: através do jornal Público, vai ser dado à estampa um trabalho da autoria de José Niza que compila em 12 volumes a carreira e a vida de um dos grandes actores portugueses da segunda metade do séc. XX. Falo de Mário Viegas, que, dez anos após a sua morte, tem assim direito a uma homenagem - póstuma... - de grande valor e onde a qualidade da investigação se encontra aliada ao saber e às vivências do Homem e Músico que é José Niza. No entanto, há ainda algo mais que não deverá fazer ninguém perder esta colecção: com cada livro, surgirá um CD que recupera a discografia completa de Mário Viegas. Esta, gravada na sua quase totalidade para a etiqueta Orfeu, de Arnaldo Trindade, iniciou-se em 1969 - com o EP Mário Viegas Diz Poemas, onde o declamador é acompanhado musicalmente por Fernando Martins - e conheceu o seu derradeiro momento em 1990, com Poemas de Bibe: Grande Poesia Portuguesa Escolhida Para os Mais Pequenos - um trabalho publicado pela UPAV e co-assinado pela também actriz Manuela de Freitas. Entre um e outro, ficam recriações históricas de grandes poetas portugueses, como Daniel Filipe, Mário Cesariny, Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Eugénio de Andrade, Manuel Alegre, António Gedeão, Alexandre O'Neill e tantos outros; e de alguns estrangeiros, como Bertolt Brecht ou Vinicius de Moraes. É de realçar que nesta colecção se compilam, também, gravações inéditas, que por razões de ordem vária não foram publicadas no seu tempo. De fora, ficaram apenas as participações em Marginal (1981), de Luís Cília, Cantos da Borda d'Água (1984), de Pedro Barroso, Lavrar em Teu Peito (1985), de Janita Salomé, e Corsária (1988), de Né Ladeiras - que, a meu ver, deveriam ter sido incluídas nesta integral - além de participações menos significativas em discos de Júlio Pereira e de Shila.

Impossível perder. Impossível passar ao lado. Mário Viegas continua vivo na sua arte de diseur e esta homenagem de José Niza e do jornal Público vem provar a todos isso mesmo.

Rifão Quotidiano

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia

chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece

Mário-Henrique Leiria in "Novos Contos do Gin", Lisboa, Editorial Estampa, 1973

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sexta-feira, março 17, 2006

A primeira vida de Carlos Alberto Vidal

Conhecido da generalidade do público através da personagem de Avô Cantigas - que comemorá 25 anos em 2007 - o cantor, actor e músico Carlos Alberto Vidal tem uma carreira cujo ponto de partida discográfico foi o já longínquo ano de 1973. Com efeito, a sua estreia ocorreu com o single As Filhas da Tia Anica, uma composição cuja letra de contestação social é magnificamente servida por arranjos inspirados de José Calvário, publicado pela Imavox. No ano seguinte, chegava Bom Dia, Senhor Alberto!, que seguia a linha temática da sua antecessora. Ambos os discos apresentavam no lado B baladas com aproximações a um universo rock. Seria, no entanto, em 1976 que Carlos Alberto Vidal teria oportunidade de mostrar de forma cabal os seus talentos - e que talentos! Changri-Lá é um dos trabalhos mais válidos e meritórios de toda a história do rock português, publicado ainda sob a alçada do contrato com a Imavox. Abrindo com a canção-título, onde a voz de Vidal nos mostra a raiva e a doçura em momentos distintos, merecem destaque as prestações de Necas (bateria), Nuno Pimentel (teclas) e Fernando Correia Martins (guitarras). O disco segue com Venho por Cristo Dizer - que confirma lírica e musicalmente a temática mística de todo o álbum e onde encontramos os sopros de Rui Cardoso - e, entre outras, com Emanuel - com um toque africano no final, sendo a voz novamente um elemento de grande equilíbrio musical - e O Meu Nome Somos Nós (Maharaj-Ji) - apenas e tão só uma das mais belas canções rock feitas em Portugal, com um refrão de antologia. No lado B do LP podemos ainda encontrar Luísa Vai para a Escola, toda ela delicadeza e com uns toques honky-tonk a lembrar o jardim de infância que escutamos ao longe, e Nascer, um tema ao piano da autoria de Nuno Pimentel e que constitui o brilhante final para este trabalho.


Publicado um ano antes da estreia em longa-duração dos Tantra, Changri-Lá é um pequeno pedaço da história desse gigante desconhecido que é o rock português pré-1980. Embora musicalmente se aproxime bastante das fórmulas do rock progressivo de então - sendo, aliás, dos trabalhos mais sólidos feitos em Portugal nessa área - apenas encontramos alguns ecos do mesmo nas incursões igualmente místicas do grupo de Manuel Cardoso e António José de Almeida. Ninguém mais, no Portugal de então, conseguia romper a difícil barreira das editoras discográficas e apresentar trabalhos desta envergadura. Não podemos esquecer, aliás, que durante os anos de 1977 e 1978 o grupo Perspectiva, de Tó Pinheiro da Silva, lutava pela edição de A Quinta Parte do Mundo, um trabalho de que, como disse António A. Duarte no seu seminal ensaio A Arte Eléctrica de Ser Português - 25 Anos de Rock 'n Portugal, todos nos orgulharíamos hoje em dia conquanto dele nos recordássemos... Mas, face a essa impossibilidade, oiçam Changri-Lá e deleitem-se com os mistérios e maravilhas que este disco tem para oferecer.

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domingo, março 12, 2006

Cantando Pessoas Vivas

Em finais de 1974 foi publicado o último LP gravado pelo Quarteto 1111, Onde, Quando, Como, Porquê, Cantamos Pessoas Vivas - Obra-Ensaio de José Cid, preenchido por uma composição única que ocupava os dois lados do vinil. Musicalmente, o grupo nunca tinha soado tão próximo do rock progressivo de uns King Crimson ou das tendências mais folk de uns Renaissance, com José Cid e os seus companheiros a construirem harmonias ora mais violentas ora mais doces. Se já em trabalhos anteriores o Quarteto 1111 comprovara que a sua escrita e competência musical podia abarcar sem problemas estes extremos, é preciso talento de sobra para construir uma obra de trinta minutos em que não é dada qualquer trégua aos instrumentos (nem ao ouvinte, refira-se). Para isso contribui inegavelmente a qualidade dos textos poéticos musicados, na sua maioria de José Cid. No entanto, um deles é uma adaptação de um poema de José Jorge Letria publicado no início desse mesmo ano de 1974 em A Arte de Armar.

O que aqui proponho, pois, é um simples exercício de comparação entre os dois textos. Apesar de as diferenças não serem em quantidade, não deixam de ser curiosas.


É Por Aqui Que Se Começa......................................Cantamos Pessoas Vivas

É por aqui que se começa:.........................................É por aqui que se começa
Pelas palavras simples................................................ Pelas palavras simples
Pelas pessoas vivas.......................................................Recusando a amargura
Recusando a amargura................................................ Nas margens do poema
Nas margens do poema................................................Pelas pessoas vivas

É por aqui que se com
eça...........................................É aqui que se começa
Pela ânsia de respirar
..................................................Pela fúria de começar
Com a voz em liberdade
.............................................Com a voz em liberdade
Sem estilhaços no olhar
..............................................Sem muralhas no olhar
.........................................................................................Cantando pessoas vivas

É por aqui que se começa
...........................................É por aqui que se começa
Pela fúria de começar
..................................................Pela fúria de começar
Usando palavras simples
..............................................Usando palavras simples
Cantando pessoas vivas
...............................................Cantando pessoas vivas
Mãos fechadas rente ao mar
......................................Ensinando-as a pensar

E depois de começar
....................................................E depois de começar
Embarcamos na canção
................................................Embarcamos na canção
Sem pompas nem grandezas
......................................Sem pompas nem grandezas
recusando a salvação
...................................................Com o povo no coração

Para isso serve a canção
.............................................P'ra isso serve a canção
Navalha de corpo inteiro
...........................................Navalha de corpo inteiro
Para dar o golpe certeiro
..........................................P'ra dar o golpe certeiro
Em quem lhe nega a razão
........................................Em quem lhes nega a razão

Acabar também é simples;
....................................... Acabar também é simples
Mais simples que começar:
.......................................Mais simples do que começar
Desenhamos um país
..................................................Desenhamos um país
Com o máximo rigor
..................................................Com o máximo rigor
Sem pessoas nem fronteiras
.....................................Sem pessoas nem fronteiras
E pomos-lhe no centro
..............................................E pomos-lhe lá dentro
As palavras derradeiras
.............................................Palavras certeiras
Para isso serve a canção
............................................Cantando pessoas vivas
Para vencer a confusão.............................................É por aqui que se termina
......................................................................................Pelas palavras simples
......................................................................................P'ra isso serve a canção
......................................................................................Defininindo a situação
......................................................................................Cantando pessoas vivas

[versão publicada em livro]...............................................[versão gravada em disco]

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sábado, março 11, 2006

Simone - Os Primeiros Passos (3)

Após ter perdido a voz, em 1969, Simone de Oliveira passa a trabalhar na rádio e só em 1972 volta ao mundo da canção. Curiosamente, fê-lo pela mão de José Cid e do Quarteto 1111, confirmando a sua vontade de mudança de repertório.

Em Novembro de 1972, data da publicação deste disco, o Quarteto 1111 era constituído por José Cid, António Moniz Pereira, Tozé Brito e Michel, e encontrava-se sem novos lançamentos no mercado desde o Verão do ano anterior. Esse compasso de espera terminou com Sabor a Povo, um single que quer no tema-título quer em Uma Nova Maneira de Encarar o Mundo anunciava já o som dos Green Windows. No entanto, as colaborações com outros artistas abundavam, como é o caso do disco de Simone que dá o mote a este texto, e nos mesmos dias em que é lançado o EP Glória, Glória Aleluia, são também editados trabalhos onde José Cid intervém ao nível da direcção musical - um EP de Vittorio Santos - e da composição - curiosamente, um single com a versão de Tonicha para Glória, Glória, Aleluia, que a cantora levou ao Festival Ibero-Americano de Madrid.

O disco de regresso de Simone conta assim com duas canções já divulgadas anteriormente - o tema-título e Retrospectiva, uma melancólica balada que fora editada no EP Camarada, de José Cid, nesse mesmo ano de 1972 - e com uma original, Hino do Amor. Não sendo um trabalho ousado a nível de arranjos musicais - nem tal se pretenderia, aliás - estamos perante um sólido conjunto de canções a que Simone de Oliveira oferece a sua voz agora quente e densa e em que chegamos a ter momentos de rock bem interessantes - precisamente em Hino do Amor, em que o grupo não deixa os seus talentos por mãos alheias.

1972
Decca / Valentim de Carvalho
PEP 1422

1. Glória, Glória Aleluia
(José Cid)
2. Hino do Amor
(José Cid)
3. Retrospectiva
(José Cid)

Simone de Oliveira (voz)
Quarteto 1111 (acompanhamento)

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sexta-feira, março 10, 2006

Memórias do Festival RTP da Canção (1)

Apesar de não haver paralelismo possível entre a importância e a repercussão pública do Festival da Canção dos dias de hoje e os realizados nas décadas de 1960, 1970 e 1980, não é novidade que a canção vencedora origine controvérsia e se reúna um número saudável de vozes que protestam contra a escolha. Na edição deste ano, que terminou há minutos, ficaram para trás concorrentes que poderiam chamar a atenção no Festival da Eurovisão, a realizar em Maio, pelo colorido, alegria e qualidade das canções - casos de Bem Mais Além, pelos Mariafolia (com letra de António Pinho, ainda ontem aqui representado com um texto da saudosa Banda do Casaco), e de Sei Quem Sou (Portugal), por Vânia Oliveira. A pateada à anódina canção vencedora trouxe-me à memória a declaração que Cândido Mota proferiu aos microfones do Rádio Clube Português a 6 de Março de 1968, após a vitória de Carlos Mendes, com Verão, no 5º Festival RTP da Canção:

"(...) apurou-se como representante do nosso País para um festival in
ternacional uma canção que, de portuguesa, só tem o revestimento. Reflecte ela a procura desmesurada e cega de um som que se usa, que se consome. Aproveitou-se uma cadência rítmica que nos é estranha. (...) Uma acentuação melódica dos safanões para lhe dar um tom de pseudomodernidade (...), depois o intérprete encarregou-se de utilizar todos os tiques que constituem a débil encenação que se pretendeu montar."

Cândido Mota terminaria a sua alocução frisando as qualidades de Balada para D. Inês, o tema que José Cid levou à edição de 1968 do certame e com que arrecadaria a 3ª posição (ultrapassado apenas por Tonicha). Publicada no segundo EP do Quarteto 1111, esta canção - como A Lenda de El-Rei D. Sebastião, de inspiração histórica - era servida por excelentes arranjos orquestrais de Joaquim Luiz Gomes (figura incontornável da música ligeira portuguesa e autor de algumas obras menos divulgadas no ca
mpo da música erudita, hoje com 90 anos de idade) e era precisamente a canção de abertura do disco. Nas outras três composições apresentadas, confirmava-se a filiação psicadélica do grupo, bem patente em Partindo-se (sobre texto de João Roiz de Castelo Branco, compilado no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende) ou na singeleza folk de Vale da Ilusão (um tema baseado em textos Bíblicos). Dragão, regravado em 1971 no primeiro LP a solo de José Cid, continha já os gérmenes das letras vincadamente contestárias que o grupo apresentaria ao longo de toda a sua carreira. Das canções aqui presentes, apenas Vale da Ilusão não conheceu ainda reedição em formato digital.

Finalizando, desejo, obviamente, os maiores sucessos para Coisas de Nada, pelas Nonstop, no Festival da Eurovisão 2006, em Atenas. Seria bom que a opinião do público português e a dos presentes na sala se visse contrariada pela do júri europeu! Mas, depois de Lúcia Moniz e do seu sexto lugar em 1996, em Oslo, não me parece que o futuro nos traga surpresas positivas a esse nível...

1968
Columbia / Valentim de Carvalho
SLEM 2304

1. Balada Para D. Inês
(José Cid)
2. Partindo-se
(João Roiz de Castelo Branco / José Cid)
3. Vale da Ilusão
(Jorge Moniz Pereira)
4. Dragão
(Jorge Moniz Pereira)

José Cid (voz, teclas), António Moniz Pereira (guitarra), Jorge Moniz Pereira (guitarra baixo), Michel (bateria)
Joaquim Luiz Gomes (direcção de orquestra)


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quinta-feira, março 09, 2006

País: Portugal

Por aqui andam diabinhos à solta
Com corninhos e rabinhos e falinhas de paraíso
Por aqui andam bruxinhas em volta
Esvoaçando cavalgando em vassourinhas sem juízo

Portugal, nove milhões de humanos
País de florestas e de rios
De montanhas e de praias
De adufes fraitas e tambores
País de províncias, distritos e concelhos
De freguesias de cidades vilas e aldeias

Portugal de capital Lisboa
É pena capital pena seres apenas
A cabeçorra gigantesca e mal pensante
Que nasce entre as pernas do Tejo
É pena capital pena que em ti
Se escrevam os livros da incultura
Que em ti se diga a liberdade
Em bocas libertinas

Portugal
País fardado à força
País forçado à farda
País fadado à forca

Portugal, nove milhões de humanos
País de florestas e de rios
De montanhas e de praias
De adufes fraitas e tambores
País de províncias, distritos e concelhos
De freguesias de cidades vilas e aldeias

(texto de António Pinho para uma composição musical de Nuno Rodrigues)


Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos. Por isso, hoje aqui fica a letra de uma das muitas excelentes canções que a Banda do Casaco nos legou, sem mais perlengas. Infelizmente, pertence a um dos seus dois trabalhos de longa-duração que nunca viu reedição em CD - o outro é Contos da Barbearia, de 1978. A ficha técnica desta música é a seguinte:

Miguel Coelho (violino)
Celso de Carvalho (stylofone, palmas)
Carlos Barreto (baixo eléctrico)
Tó Pinheiro da Silva (guitarra eléctrica, flauta)
Nuno Rodrigues (voz, guitarra acústica, palmas)
António Pinho (palmas)
Gabriela Schaaf (voz, palmas)
Rão Kyao (saxofone tenor, palmas)
Necas (bateria)

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quarta-feira, março 08, 2006

O Percurso Singular de António de Macedo (1)

Seria interessante aproveitar os 75 anos de António de Macedo (que o realizador cumprirá em Julho próximo) para proceder a uma iniciativa de monta e digna do cinema português: disponibilizar a integral da obra deste cineasta, detentor de um dos percursos mais idiossincráticos de toda a história da Sétima Arte nacional. Desde A Primeira Mensagem (1961) até Chá Forte com Limão (1993) muito há, decerto, por descobrir nos seus filmes, e muito público haverá interessado em neles se descobrir. António de Macedo teve sucessos de bilheteira - recorde-se A Promessa (1972) ou o abaixo referido Os Abismos da Meia-Noite (1983) - e muitas vezes foi malvisto por isso mesmo. Igual argumento emprega, aliás, António-Pedro Vasconcelos para criticar a falta de oportunidades que teve na sua carreira pós-O Lugar do Morto (1984). No entanto, o rigor que António de Macedo sempre manifestou no tratamento estético dos seus filmes e a riqueza e diversidade dos mesmos fazem com que seja quase um acto criminoso - e Jorge Leitão Ramos já o referiu em crónica no Expresso - que a totalidade da sua obra se encontre arredada de edição comercial em DVD.

Os Abismos da Meia-Noite (1983) estreou-se em Portugal a 27 de Janeiro de 1984, contando com prestações dos actores Helena Isabel, Rui Mendes, Eugénia Bettencourt, Márcia Breia, Virgílio Castelo, Manuel Cavaco e António Assunção, entre outros. Com fotografia de Elso Roque e música original de António de Sousa Dias (editada, aliás, em disco pela Fotossonoro nesse ano de 1984), o filme, que abordava temáticas ligadas à mitologia popular, chegou ainda a ser editado em formato VHS pela empresa Imaginação. Neste momento encontra-se indisponível no mercado.

Sinopse:

Irene, agente duma companhia de seguros, é encarregada de investigar o desaparecimento de um velho bibliotecário, numa cidade cidade de província. No decurso das suas averiguações, trava conhecimento com Ricardo, professor de História, que conhecia a vítima e se interessa pelas tradições lendárias da região. Assim, Irene toma conhecimento de um antiquíssimo castelo medieval - cuja entrada secreta se abre, misteriosamente, na noite de Natal, durante as doze badaladas da meia-noite.

(fonte: http://www.amordeperdicao.pt)

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terça-feira, março 07, 2006

Simone - Os Primeiros Passos (2)

Imediatamente antes do disco que aqui apresentei de Simone há dias, a Rádio Triunfo publicara uma colectânea em que à nova artista se juntavam Maria de Lourdes Resende, Rui de Mascarenhas e Anita Guerreiro. Apesar de todos eles serem já nomes mais ou menos estabelecidos no panorama musical de então, Anita Guerreiro - conhecida do público actual como actriz de televisão - era a que mais próxima estava da geração de Simone de Oliveira. Assim, esta era a oportunidade de juntar duas vozes consagradas com outras duas de brilho mais recente, julgando assim a editora agradar a gregos e troianos. Por outro lado, o pop rock ainda não conquistara as editoras portuguesas, apesar de dentro de poucos meses (em 1959 ainda e em 1960) começarem a surgir os primeiros discos do Conjunto de Pedro Osório e do Conjunto de Walter Behrend (no Porto) e dos Conchas e de Daniel Bacelar (em Lisboa). Curiosamente, isto acontecia quando a carreira de Elvis Presley estava num impasse devido ao facto de o cantor se encontrar a cumprir serviço militar na Alemanha, ao mesmo tempo que os Shadows tomavam as tabelas de vendas de assalto, gerando imitadores um pouco por toda a parte.

1959
Alvorada / Rádio Triunfo
MEP 60135

1. Coimbra (Avril au Portugal) Maria de Lourdes Resende
(Raul Ferrão)
2. Lisboa Antiga Anita Guerreiro
(Amadeu do Vale - José Galhardo / Raul Portela)
3. Uma Casa Portuguesa Rui de Mascarenhas
(Vasco de Matos Sequeira - Reinaldo Ferreira / Artur Vaz da Fonseca)
4. Sempre Que Lisboa Canta Simone de Oliveira
(Aníbal Nazaré / Carlos Rocha
)

Sexteto Feminino
Tavares Belo: direcção de orquestra

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segunda-feira, março 06, 2006

A Voz Esquecida de Teresa Paula Brito

Houve uma altura em que Teresa Paula Brito (1944 - 2003) era uma das vozes femininas mais conhecidas de Portugal na área da música ligeira. Não havia muitas, é certo, ou não havia muitas de qualidade e com uma carreira de rigor, o que é ainda mais certo, mas a desta cantora que tinha uma paixão especial pelo jazz distinguiu-se da mediania geral como um talento de primeira água. Brilhou, no entanto, durante um período de pouco mais de dez anos, entre o início da década de 1960 e meados da década seguinte, com trabalhos que abarcavam espirituais negros e folk americana (com os Strollers, ao lado de José Duarte, autor do programa radiofónico "Cinco Minutos de Jazz"), o tema do filme Verdes Anos, de Carlos Paredes, a belíssima Para Não Dizer Que Não Falei de Flores, do brasileiro Geraldo Vandré, ou canções de José Afonso. Mas em inícios de 1971 sai um disco bastante publicitado na altura, constituído unicamente por poemas de Maria Teresa Horta e músicas de Nuno Filipe, onde à mestria das palavras e à acutilância das melodias se aliavam arranjos de Rui Ressurreição executados por José Cid, Tozé Brito ou Vítor Mamede. Estávamos, com toda a plenitude, em terrenos próximos do rock - e se dúvidas houver, basta escutar atentamente Meu Aceso Lume - Meu Amor, que, juntando dois textos da poetisa, mostra a raiva incontida que Teresa Paula Brito também sabia destilar. Pena é que a partir da segunda metade da década de 1970 pouco ou nada se tenha ouvido falar da cantora, até que a morte a veio buscar quase anonimamente em finais de 2003. É triste, tão triste, este nosso fado.



1971
Movieplay
SON 100.011

1. Existem Pedras
(Maria Teresa Horta / Nuno Filipe)
2. Poema sobre a Recusa
(Maria Teresa Horta / Nuno Filipe)
3. Meu Aceso Lume - Meu Amor
(Maria Teresa Horta / Nuno Filipe)

Teresa Paula Brito: voz
Rui Ressurreição: arranjos, direcção
José Cid, Luís Filipe, Tozé Brito, Vítor Mamede: acompanhamento

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domingo, março 05, 2006

Cinema Novo em DVD, já!

Está neste momento a ser publicada com a revista TV Guia uma colecção de DVD's intitulada Os Anos de Ouro do Cinema Português. Como elemento de mais valia, cada um dos discos vem incluído num livro em que Fátima Lopes Cardoso contextualiza o filme em causa. No final, uma pequena crítica fecha os volumes. É de saudar, pois, esta iniciativa, até porque quatro dos filmes estavam até agora inéditos em DVD - O Pai Tirano (1941), de António Lopes Ribeiro, O Pátio das Cantigas (1941), de Francisco Ribeiro (Ribeirinho), A Severa (1931) e Maria Papoila (1937), ambos de Leitão de Barros. No entanto, não posso deixar de referir que seria tão ou mais importante disponibilizar em DVD alguns dos filmes-chave da geração do Cinema Novo português. É angustiante pensar que pedaços marcantes da nossa cinematografia andam arredados há anos do contacto com o público... Assim, lanço aqui uma proposta de quinze filmes que poderiam vir a fazer parte de uma segunda série desta colecção da TV Guia (ou de outra publicação que deitasse mãos à obra).

CINEMA NOVO

1. Dom Roberto (1962), de Ernesto de Sousa (música de Armando Santiago)
2. Pássaros de Asas Cortadas (1963), de Artur Ramos (música de Filipe de Sousa)
3. Os Verdes Anos (1963), de Paulo Rocha (música de Carlos Paredes)
4. Domingo à Tarde (1965), de António de Macedo (música do Quinteto Académico)
5. As Ilhas Encantadas (1965), de Carlos Vilardebó (música de Johann Sebastian Bach)
6. Mudar de Vida (1966), de Paulo Rocha (música de Carlos Paredes)
7. A Cruz de Ferro (1967), de Jorge Brum do Canto (música de Joly Braga Santos)
8. O Cerco (1970), de António da Cunha Telles (música de António Victorino d'Almeida e do Quarteto 1111)
9. Nojo aos Cães (1970), de António de Macedo (música de Avelino Lopes)
10. Grande, Grande Era a Cidade (1971), de Rogério Ceitil (música de José Jorge Letria)
11. O Passado e o Presente (1971), de Manoel de Oliveira (música de João Paes e Felix Mendelssohn)
12. O Recado (1971), de José Fonseca e Costa (música de Rui Cardoso)
13. Perdido por Cem... (1972), de António-Pedro Vasconcelos (música de Paulo Gil)
14. A Promessa (1972), de António de Macedo (música tradicional, recolha de Michel Giacometti)
15. O Mal-Amado (1973), de Fernando Matos Silva (música de Luís de Freitas Branco e João Aboim)

sábado, março 04, 2006

Na morte de Fernando Tavares Rodrigues

Soube hoje que o poeta, jornalista e professor universitário Fernando Tavares Rodrigues morreu na passada Quarta-Feira, com 52 anos incompletos. Morte demasiado jovem para quem tinha, decerto, muito ainda para dar ao mundo da Cultura nacional. Recordo-o especialmente do livro Concerto para uma Voz, de 1988, e dos poemas de sua autoria que José Campos e Sousa (membro fundador da Banda do Casaco) musicou. Neste momento de partida, e não pretendendo mais do que recordar o escritor através das suas palavras, aqui vos deixo o poema Fado Soneto, gravado no disco N. Sra do Carmo - Fado (1988), de José Campos e Sousa.

Fado Soneto

Cada manhã era a véspera da surpresa,
de silêncio em silêncio anunciada.
De encanto se tecia e de tristeza
essa noite cada vez mais desejada.

Do teu corpo prometido ainda o cheiro,
do teu ventre revelado ainda a chama.
A saudade do que foi um dia inteiro
na moldura do que foi a nossa cama.

Cada minuto um punhal impaciente,
cada gesto uma carícia antecipada,
cada suspiro um excesso de ar eloquente.

E a surpresa da surpresa desejada:
o sabor desse teu corpo adolescente
de mulher em cada beijo renovada.

sexta-feira, março 03, 2006

Psico ou as vicissitudes de um grupo rock em Portugal

A formação dos Psico tem algo de romanesco: os Espaciais, do Porto, tinham participado no I Concurso Académico de Música Moderna, em 1968, mas insatisfeitos com a pontuação obtida, resolvem concorrer de novo com outra designação. Surgem assim os Psico, que alcançam a vitória desejada, mas que acabam também por trazer a dissolução do primeiro grupo, que veria publicado nesse ano o seu último disco - O Circo / When I'm Sixty-Four / Dies Irae / Take Me Back, Back, Back. Em 1970, com José Calvário como teclista do grupo ainda e sempre liderado por Toni Moura, os Psico anunciam a edição de um EP que aparentemente nunca se veio a concretizar. Um ano depois, apresentam-se ao vivo no Festival de Vilar de Mouros, mas no segundo concerto que dão, a 8 de Agosto, vêem-se impossibilitados de subir ao palco na hora estabelecida devido a um dos músicos não estar presente.

Ao longo do resto da década de 1970, os Psico acolheram músicos como António Garcez (voz, futuro Arte & Ofício e Roxigénio), Fernando Nascimento (guitarra, ex-Grupo 5 e futuro Arte & Ofício), Álvaro Marques (bateria, futuro Jafumega), Sérgio Castro (guitarra, futuro Arte & Ofício). Em 1977, e após a morte do baixista Gino Guerreiro, o grupo é constituído por Toni Moura (guitarra), Filipe Mendes (guitarra baixo), Zé Carlos Almeida (teclas) e Álvaro Marques (bateria). Apresentam-se ao vivo no Teatro Sá da Bandeira, no Porto, com o espectáculo cénico Epitáfio Sinfónico (que dedicam à memória do companheiro desaparecido), e no ano seguinte vêem finalmente publicado aquele que é o único disco conhecido do grupo. Trata-se de um single com as composições Al's e Epitáfio (excerto da obra anteriormente referida), um trabalho em que ficou bem patente a versatilidade e a técnica musical dos Psico. Infelizmente, apenas o primeiro destes temas conheceu reedição em suporte digital, através da compilação Biografia do Pop/Rock.

quinta-feira, março 02, 2006

Raul Brandão: 139 anos depois

Muito breve, muito breve, é o post de hoje. Diametralmente oposto à qualidade da obra de Raul Brandão, escritor que nasceu na Foz do Douro a 2 de Março de 1867. Escolher um dos seus trabalhos é difícil, mas hoje sugiro que leiam Jesus Cristo em Lisboa. Escrito em parceria com Teixeira de Pascoaes - embora se saiba que grande parte é inteiramente da autoria de Raul Brandão - este texto para teatro não é encenado em Lisboa, tanto quanto sei, desde 1980. Bem falta nos fazia ver de novo em palco - e eu, que nunca o vi... - o retrato delirante e sarcástico de uma sociedade que se recusa a aceitar a nova vinda do Messias. Mas porque diabo teria logo que acontecer nos nossos dias e em Lisboa, perguntam os personagens?... Vade retro!

Com a devida vénia ao site do actor Antonino Solmer, reproduzo esta imagem da encenação da peça feita em 1978 por Norberto Barroca e Carlos Wallenstein, no Teatro Municipal de São Luiz. Em primeiro plano, o saudoso Canto e Castro.

quarta-feira, março 01, 2006

Dórdio Guimarães ou como atrás de uma grande mulher pode estar também um grande homem

O escritor Dórdio Guimarães viveu grande parte da sua vida (n. Porto, 10 de Março de 1938; m. Lisboa, 2 de Julho de 1997) sob a sombra da sua musa inspiradora, Natália Correia. Infelizmente, a sombra era grande, pois que o talento de Natália foi sempre imenso e multifacetado, e isso não lhe permitiu afirmar-se plenamente como autor de mérito. Dono de uma obra que abarca mais de quinze títulos, Dórdio Guimarães foi também realizador de cinema - à imagem de seu pai, Manuel Guimarães, autor de filmes como Saltimbancos (1951) e O Crime de Aldeia Velha (1964) - e, em 1969, colaborador a nível de textos do projecto musical Fluido, liderado pelo cantor Paulo de Carvalho. Foi no seio deste grupo que viu dois poemas de sua autoria serem musicados e revestidos de arranjos instrumentais ousados para a época e para o Portugal de então. A estética psicadélica dominava estas composições e a beleza singela das palavras de Dórdio projectava-se na eternidade - pena que, hoje em dia, tanto o livro como o disco A Idade dos Lilases se encontrem esgotados, impossibilitando assim que novos públicos se abeirem de duas obras-chave de um tempo que é também o nosso.

A Idade dos Lilases

Mulher
No tempo dos cabelos agitas a paz em amor
Todos os dias por ti

O universo se faz e tu não sabes não

Amanhã a mulher joga a vida num vale de lilases
Dele irrompe cheirosa a flor
Que é pródiga em lis e lases
E serei tudo o que de mais fértil o teu ventre der
Mulher

Na estrada à noite não pode haver desacordo
Eia tanta gente amiga são as árvores

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